Bombonière Delikatessen

Guloseimas e pensamentos...

30.1.07

A vida como ela é...



Aliança (Francisco Espinhara)


A mulher o traía à sombra ou à luz. Em quaisquer circunstâncias ela o traía.

A aliança, símbolo do seu orgulho, agora ele a acariciava às escondidas, com o polegar esquerdo, pelo lado interno da mão, remoendo as máculas postas pela perfídia no metal dourado.

Em público, fugia aos meios boêmios, onde uma leva de poetas lhe roubara sussurros estridentes à musa, em plenas intimidades.

No lar, evitava olhar-se no espelho com lucidez.

Antes o verniz estático de um álbum de família a lançar a indócil aliança à sarjeta.


28.1.07

Lembrou...



Fada

Tua figura suave
delicada
nem parece que vive, parece bordada,
- como a boneca de seda de um desenho
de uma antiga almofada
que eu tenho...

Teus gestos, teus embaraços
fazem lembrar finos traços
de uma filigrana,
e tão frágeis me parecem, tuas mãos, teus braços,
que nem sei se és de carne ou se és de porcelana...

Bonequinha de louça
linda moça,
tua alma é um fio de seda, estou bem certo,
e a minha imaginação
criou para o teu destino uma lenda encantada:

- jura que tu fugiste de algum livro
e que eras a ilustração
de uma história de fada!

( Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro "Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou" Vol. I - 1a edição 1965)

26.1.07

Doce confissão...

"Quando durante o Primeiro Congresso de Escritores Brasileiros, reunido em São Paulo nos inícios de 1945, me apaixonei por Zélia, comuniquei ao poeta Paulo Mendes de Almeida, meu amigo e amigo dela, apontando-a entre as muitas senhoras e moças que acorriam às sessões, umas poucas para acompanhar os debates, a maioria para namorar:

- Aquela ali vai ser minha mulher.

Paulo riu da minha cara.

- Aquela qual? Zélia? Jamais, não é mulher para o seu bico.

Não desisti, não tirei da cabeça, estava me roendo de paixão, fiz o que o diabo duvida, não deu outra, em julho Zélia veio morar comigo. Não vai durar seis meses, agouraram, dura até hoje." (Jorge Amado, 'Navegação de Cabotagem')

21.1.07

Metrópolis...

Revi o inquietante Metrópolis (1926), de Fritz Lang ontem. A cada vez que o assisto, mais fico abismado com a metáfora ou com as metáforas sociais que este filme carrega.

Lang, foi um diretor de origem austríaca, naturalizado americano. Nasceu em Viena, em 1890, e morreu na Califórnia, em 1976. Foi um dos expoentes do Expressionismo, um estilo que tentava descrever emoções subjetivas e as reações que os objetos e os acontecimentos provocam, e não a realidade objetiva, e que se caracterizou na Alemanha por ter um estilo duro, arrojado e visualmente muito intenso. Metrópolis possivelmente o mais importante filme de ficção científica alguma vez realizado, é uma visão expressionista do futuro, baseado no livro da sua mulher Thea von Harbou.

Metrópolis é uma vigorosa metáfora que se hospeda no futuro distante para retratar a crescente luta de classes. O herdeiro de um poderoso industrial apaixona-se por uma operária. Um perigoso cientista planeja transformá-la em um andróide, para incitar a classe trabalhadora à rebelião. As cenas de rebelião lembram muito “O Encouraçado Potemkin”, e os cenários futuristas são impressionantes. Lang cria um visual muito verossímil, onde ele coloca a classe oprimida vivendo em cidades nos subsolos, não muito diferentes do que são as periferias de hoje. Já aos poderosos, reserva as bucólicas paisagens da superfície. Os cenários da cidade certamente inspiraram filmes posteriores, como “Blade Runner”, enquanto o estilo das fábricas e a opressão do maquinário definitivamente inspiraram dois gênios: René Clair, em “A Nós a Liberdade”, e Chaplin em “Tempos Modernos”.

Uma frase bem marcante do roteiro é dita pela personagem Maria: Ter a mente que cria e as mãos que constroem é fundamental, mas o coração deve unir as duas coisas. As críticas e as metáforas contidas no filme, não perdem sua energia mesmo nos dias de hoje. Seu valor é inegável e sua atualidade posta a prova a cada minuto.

Abaixo temos: uma foto de Lang, imagem de um cartaz do filme e uma foto de bastidores bastante curiosa.




19.1.07

Maluco Beleza...

Bom, quem me conhece sabe que trabalho com publicidade, em uma agência no interior de São Paulo. Mesmo numa cidade interiorana, uma agência de publicidade é sempre um ninho de doidos. Com jobs em cima da hora, cliente pedindo coisas quase impossíveis, estresse total e para diminuir a pressão, temos malucos cantando ou imitando os outros durante o trabalho e com muita gozação de todo tipo.

Esse ambiente informal por vezes apresenta situações surreais. A partir das 19h, quando parte das pessoas já se foi, o telefone toca menos, e praticamente só ficam os proprietários, alguns atendimentos e sobretudo os surtados da criação é quando as cenas mais insólitas acontecem.

Na última quarta, quando já me preparava para ir embora e fui até o departamento de Criação dizer boa noite, escuto uma canção num idioma estranho. A melodia era conhecida da minha infância (acho que vocês também já a ouviram):

Eu sou pobre, pobre, pobre de marre marre marre...

Pensei: “Nossa, estão cantando em Twi, ou Africans ou Ucraniano...”

Era a voz desafinada de um amigo criativo que entoava:

“La unuaj tri nomeroj

estas unu, du kaj tri
en TRI estas tri literoj
To kay Ro kay I”

Não acreditei e parei do lado para ouvir e entender. Contava ele que fora algo parecido com instrutor de Escoteiros ou de Acampamentos quando mais jovem e que de vez em quando ele cantava em Esperanto para os jovens.

Ou seja, às 19 horas de uma quarta, você entra na agência e encontra uma marmanjo cantando “Marre de si” em esperanto.

Se eu contasse apenas, ninguém acreditaria... ainda bem que tenho testemunhas. Mas nem adianta, que o nome do artista eu não divulgo.

Em todo caso, deixo abaixo a letra em Esperando de uma música bem conhecida e que tem tudo a ver com este post.


Frenezulbeleco - Maluco Beleza

Komponis kaj kantas portugale: Raul Seixas
Versio en Esperanto: Antonio Luís Lourenço dos Santos

Jen kiam vi pli kaj pli penas sin
Esti normala ulo,
Ĉiam fari la samon.
Miaflanke lernas mi esti freneza,
Frenezulo kompleta,
Ĝenerala frenezec',
Kontrolita mia malsaĝec',
Miksita kun mia mensklarec'.
Kaj estos miPlena je certeco,
Frenezulbeleco
Kaj tiun ĉi vojon elektis mi mem.
Ĝi estas facila voj',
Ne estas kien iri.
Kontrolita mia malsaĝec',
Miksita kun mia mensklarec'.
Kaj estos mi
Plena je certeco,
Frenezulbeleco.


15.1.07

Caminhe...

He wishes for the cloths of heaven - William Butler Yeats

Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly, because you tread on my dreams.

14.1.07

Alumbramento...

Sempre gostei dos textos escritos com gosto de terra e de mato. Textos que mostram um Brasil interiorano ou caipira, cheio de seus regionalismos intrigantes e instigantes, mesmo quando falam de uma capital. Este texto do Manuel Bandeira é um exemplo disso. Ele me causa "um alumbramento"...

Evocação a Recife

Recife

Não a Veneza americana

Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais

Não o Recife dos Mascates

Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois

— Recife das revoluções libertárias

Mas o Recife sem história nem literatura

Recife sem mais nada

Recife da minha infância

A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado

e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas

Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê

na ponta do nariz

Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras

mexericos namoros risadas

A gente brincava no meio da rua

Os meninos gritavam:

Coelho sai!

Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:

Roseira dá-me uma rosa

Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa

Terá morrido em botão...)

De repente

nos longos da noite

um sino

Uma pessoa grande dizia:

Fogo em Santo Antônio!

Outra contrariava: São José!

Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.

Os homens punham o chapéu saíam fumando

E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...

Como eram lindos os montes das ruas da minha infância

Rua do Sol

(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)

Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...

...onde se ia fumar escondido

Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...

...onde se ia pescar escondido

Capiberibe

— Capiberibe

Lá longe o sertãozinho de Caxangá

Banheiros de palha

Um dia eu vi uma moça nuinha no banho

Fiquei parado o coração batendo

Ela se riu

Foi o meu primeiro alumbramento

Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu

E nos pegões da ponte do trem de ferro

os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas

Cavalhadas

E eu me deitei no colo da menina e ela começou

a passar a mão nos meus cabelos

Capiberibe

— Capiberibe

Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas

Com o xale vistoso de pano da Costa

E o vendedor de roletes de cana

O de amendoim

que se chamava midubim e não era torrado era cozido

Me lembro de todos os pregões:

Ovos frescos e baratos

Dez ovos por uma pataca

Foi há muito tempo...

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nós

O que fazemos

É macaquear

A sintaxe lusíada

A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem

Terras que não sabia onde ficavam

Recife...

Rua da União...

A casa de meu avô...

Nunca pensei que ela acabasse!

Tudo lá parecia impregnado de eternidade

Recife...

Meu avô morto.

Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro

como a casa de meu avô.

8.1.07

Citações...

Sempre gostei de citações. Desde pequeno sempre gostei de lê-las e de pinçá-las dos textos mais complexos como romances e poesias. Na coluna Marcelo Coelho, em 04/01 sobre as ironias literárias, li a seguinte situação:

“O compositor Berlioz se notabilizou pela extravagância genial de suas obras. Teve o belo gesto de visitar o poeta Heinrich Heine, que estava em plena desgraça, abandonado por todos em seu leito de morte. Heine recebeu-o com um sorriso: ‘Ah, Berlioz, é você? Sempre original!’ ”

Heinrich Heine - (Düsseldorf, 1798-Paris, 1856)

Este poeta alemão veio de uma culta família de comerciantes hebreus alemães. Quando era estudante de Direito compôs o poema Intermezzo, inspirado no amor desditoso que sente por uma sua prima. Surpreende a emoção e a simplicidade com que trata o tema, então tão freqüente, do amor não correspondido. Por razões de saúde passa temporadas nas margens do mar do Norte, que lhe inspira uma série de poemas sombrios e pitorescos sobre o amor frustrado, incluídos no seu famoso Buch der Lieder (Livro das Canções).

Nos seus últimos anos, paralítico e prostrado na cama, escreve o Romanceiro, em que expressa a sua concepção hebraica da religião, e um volume de poemas Atta Troll, ein Sommernachttraum, reflexões sobre a morte que se aproxima e evocações do seu primeiro amor. Nestes seus últimos anos, viveu na França e apesar de bom poeta e curioso prosador, ficou conhecido por suas citações ferinas. Nunca perdeu seu espírito agudo e mordaz.

Alguns exemplos desta ironia e mordacidade com muita perspicácia:

“O mundo conta com mais imbecis que habitantes.”

“É nas obras dos poetas que se deve pesquisar sua história: é lá que podemos encontrar suas confissões mais secretas.”

“Estou completamente convencido que, quando os asnos se insultam, não há mais sangrenta injúria do que se chamar de homens.”

“Deus nos deu a língua para que pudéssemos dizer coisas charmosas a nossos amigos e as mais duras verdades a nossos inimigos.”

“Muitas vezes digo à vida: não me dês tanto, para que não me possas levar tanto.”

“Os perfumes são os sentimentos das flores.”

5.1.07

Dia de Reis...



Eu fui criado católico, com direito a catecismo, primeira comunhão e crisma. Isso misturado com cidade pequena no interior paulista e filho de uma família católica com avó beata, só poderia me levar a conhecer toda a bíblia, os santos católicos e os festejos em dias santificados. Procissões, novenas, missas às 6 da manhã, festas de santos, jejuns, semana santa etc. Tudo isso conheci. Não acho que tenha sido ruim, mas não repetiria algumas dessas coisas, pois deixei de acreditar na validade de muitas delas.

Entretanto, se teve uma manifestação popular de origem católica que muito me marcou foi o dia de folias de reis. Todo dia 06 de janeiro, um grupo de pessoas se juntavam e saiam mascarados de casa em casa no bairro, tocando viola e cantando músicas encenando a história do nascimento de Jesus e a visita dos três reis magos. As pessoas os recebiam com doces e petiscos. E eles faziam uma oração, cantavam pelos cômodos da casa e partiam para a próxima casa.

Para um moleque, era algo muito divertido e movimentado. Boas memórias, boas lembranças, as pessoas eram felizes e demonstravam esta alegria, independentemente da crença.

Amanhã, dia 06 é dia de folia de reis. Boas lembranças, boas memórias... Ah, também era o dia de desarmar a árvore de natal e guardar todos os enfeites na caixinha para o ano seguinte.

2.1.07

Tempo...

O ano começa como terminou. Guerras, violência, demagogia, mentira, desencontros, acidentes, incidentes etc. Claro que é e sempre será assim, pois o marco do calendário não quer dizer nada para o Tempo. Este é inexorável e não espera nossos desejos e vontades para correr. Ele simplesmente passa e nos leva em seu bojo, com alegrias, tristezas, tropeços, acertos, erros e tudo mais que nos cerca em vida e morte.

Ontem vi uma pesquisa curiosa na revista Época e resolvi usar esta pesquisa como tema deste post de início de ano. Na pesquisa são apresentadas 20 fotos para que escolhamos uma delas que melhor representará o que foi o ano de 2006 para cada um de nós. Deixarei o link para os curiosos de plantão se quiserem participar também.

Abaixo eu posto a imagem que escolhi na pesquisa, mas não a irei comentar. Penso que não vale a pena justificar esta imagem, pois ela fala por si, mas para ser sincero, uma só foto é muito pouco para representar um período tão grande de 365 dias.

Abraços a todos e feliz 2007.