Quando criança, morando na cidade pequena do interior, em plena ditadura, nós tínhamos muito estudo durante a semana e muitos jogos e brincadeiras com os amigos aos fins de semana. Coisas que eram divertidas de serem feitas como jogar taco, futebol de botão ou queimada, brincar de pique ou pique esconde, mas sem dúvida, o futebol estava entre à frente de todos. Jogávamos na rua, em frente nossas casas, montando traves de mini gol com chinelos ou pedaços de pedras para não usarmos alguém no gol, ou então jogávamos no campo próximo ao rio que levava o singelo nome de “rapadão”, parcialmente gramado, grande e com traves de metal. Ali podíamos desde fazer um jogo com equipes completas (11 x 11) ou brincar de “queda” onde disputávamos em duplas (2 x 2) quando o grupo era pequeno.
Corria a década de 70, o Brasil fora tricampeão do mundo, éramos o país que ia para frente, o país do futuro e nossos heróis eram jogadores de futebol ou cantores de MPB. Mal tínhamos notícias das guerrilhas, torturas e assassinatos. Só ouvíamos falar da Transamazônica, de Itaipu, do acordo nuclear com a Alemanha com a construção da Usina de Angra etc. Tudo para ilustrar o slogan que afirmava que este é um país que vai para frente. E ainda ouvíamos no rádio a dupla Dom e Ravel cantar:
"Eu te amo, meu Brasil, eu te amo, meu coração é verde, amarelo, branco, azul-anil, eu te amo, meu Brasil, eu te amo, ninguém segura a juventude do Brasil"

Ainda bem que me restava ouvir Pink Floyd, The Beatles, The Who, Chico, Os Mutantes, Milton, Tom e Vinícius, na Mundial AM e na Excelsior AM (FM não existia naquele tempo).Mas em época de Copa do Mundo, falando de rádio e heróis futebolísticos, fui me lembrar que naqueles anos, jogos de futebol raramente eram transmitidos. A tecnologia não permitia ainda, esta avalanche de informações e imagens. Então para acompanhar e torcer por meu time, me restava a opção do rádio. E como era divertido ouvir as narrações. Os locutores se esmeravam em passar emoção por meio de suas vozes. Nós do outro lado criávamos na mente, as imagens de cada jogada, de cada gesto, o drible do craque, a ponte do goleiro, a rede estufada na hora do gol.
As imagens pululavam nosso imaginário e como éramos férteis para imaginar. Não estávamos restritos ao “quadradismo” da tela plana e digital.
Osmar Santos inventava...
“xiruliluli – xirulilulá”
“pimba na gorduchinha”
Fiori declamava...
”Abrem-se as cortinas e inicia-se o espetáculo, torcida brasileira...”
“O tempo passa...”
“No crepúsculo do jogo”
“Agüenta coração”
Entre os grandes narradores de futebol tivemos Nicolau Tuma (ainda vivo e que narrou a primeira Copa do Mundo para o Brasil), Ari Barroso (sim, o compositor), Nelson Rodrigues (sim, o autor de teatro), Jorge Cury, Edson Leite, Oduvaldo Cozzi e Rebelo Júnior - o homem do gol inconfundível - o ritmo alucinante de Pedro Luiz, Geraldo José de Almeida, Waldir Amaral, Joseval Peixoto e José Silvério.
Ontem perdemos Fiori Giglioti aos 77 anos. Fiori tinha sua manias e entre elas estava o gosto por receber títulos de cidadania por todo este país. Possuía mais de 160 destes. Além disso cobriu 10 copas do mundo, o único cronista brasileiro que conseguiu tal feito.
Para ele, encerrou-se o ciclo da vida, para nós, admiradores do rádio, fecharam-se as cortinas do espetáculo, e o locutor do tricampeonato de 70 foi descansar e talvez narrar jogos em outros planos...
Fiori (à esquerda) durante a cobertura da Copa de 82, na Espanha