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Guloseimas e pensamentos...

24.11.05

Para não dizer que...

...não falei das flores...

Saindo do post de letra maluca do Pierre Lepointe, passo para outro estilo, com um autor de língua portuguesa: Bernardo Guimarães, que em 1852 escreveu um livro chamado "Cantos da Solidão", de onde pincei esta poesia linda. Guimarães, mais conhecido como romancista da Abolição, o autor de "Escrava Isaura" escrevia poesias com uma tinta carregadas de amor e devoção...
Também gosto disso e penso que aquele que tiver paciência de ler um longo texto, acabará gratificado (I hope so) Ah, atentem para a escrita do idioma português no século XIX.

Amor ideal - in Cantos da Solidão, 2ª ed - 1858

Há uma estrela no céu
Que ninguém vê, senão eu
(Garrett)

Quem és? - d'onde vens tu?
Sonho do céu, visão misteriosa,
Tu, que assim me rodeias de perfumes
e amor e d'harmonia?
Não és raio d'esp'rança

Enviado por Deus, ditamno puro
Por mãos ocultas de benigno gênio
No peito meu vertido?
Não és anjo celeste,

Que junto a mim, no adejo harmonioso
Passa, deixando-me a alma adormecida
Num êxtase de amor?
Ó tu, quem quer que sejas, anjo ou fada,

Mulher, sonho ou visão,
Inefável beleza, sê bem-vinda
Em minha solidão!
Vem, qual raio de luz dourando as trevas

De um cárcere sombrio,
Verter doce esperança neste peito
Em minha solidão!
Nosso amor é tão puro! - antes parece

A nota aérea e vaga
De ignota melodia, êxtase doce,
Perfume que embriaga!...
Amo-te como se ama o albor da aurora,

O claro azul do céu,
O perfume da flor, a luz da estrela,
Da noite o escuro véu.
Com desvelo alimento a minha chama

Do peito no sacrário,
Como sagrada lâmpada, que brilha
Dentro de um santuário.
Sim; a tua existencia é um mistério

A mim só revelado;
Um segredo de amor, que trarei sempre
Em meu seio guardado!
Ninguém te vê; - dos homens te separa

Um véu misterioso,
Em que modesta e tímida te escondes
Do mundo curioso.
Mas eu, no meu cismar, eu vejo sempre

A tua bela imagem;
Ouço-te a voz trazida entre perfumes
Por suspirosa aragem.
Sinto a fronte incendida bafejar-me

Teu hálito amoroso,
E do cândido seio que me abrasa
O arfar voluptuoso.
Vejo-te as formas do donoso corpo

Em vestes vaporosas,
E o belo riso, e a luz lânguida e meiga
Das pálpebras formosas!
Vejo-te sempre, mas ante mim passas

Qual sombra fugitiva,
Que me sorriu num sonho, e ante meus olhos
Desliza sempre esquiva!
Vejo-te sempre, ó tu, por quem minh'alma

De amores se consome;
Mas quem tu sejas, qual a pátria tua,
Não sei, não sei teu nome!
Ninguém te viu sobre a terra,

És filha dos sonhos meus:
Mas talvez, talvez que um dia
Te eu vá encontrar nos céus.
Tu não és filha dos homens,

Ó minha celeste fada,
D'argila, d'onde nascemos,
Não és decerto gerada.
Tu és da divina essência

Uma pura emanação,
Ou um eflúvio do elísio
Vertido em meu coração.
Tu és dos cantos do empíreo

Uma nota sonorosa,
Que nas fibras de minh'alma
Ecoa melodiosa;
Ou luz de benigna estrela

Que doura-me a triste vida,
Ou sombra de anjo celeste
Em minha alma refletida.
Enquanto vago na terra

Gomo mísero proscrito,
E o espírito não voa
Para as margens do infinito,
Tu apenas me apareces

Como um sonho vaporoso,
Ou qual perfume que inspira
Um cismar vago e saudoso;
Mas quando minh'alma solta

Desta prisão odiosa
Vaguear isenta e livre
Pela esfera luminosa,
Irei voando ansioso
Por esse espaço sem fim,
Até pousar em teus braços,
Meu formoso Querubim.