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Guloseimas e pensamentos...

27.4.06

O poeta o apresentou...

Antônio Maria (Vinícius de Moraes)

Também chamado familiarmente Maria, Zé Maria, Menino-Grande – Antônio Maria, que eu chamo "o meu Maria", é de longe o melhor do seu nome. Meu parente através de uma linha de Moraes de Pernambuco que vai assim, faz assim e volta e da qual participa o poeta João Cabral de Melo Neto, esse pernambaioca (se me permitem o neologismo tirado de Pernambuco, Bahia e Carioca) espesso, áspero e agridoce, com um carão de lua que parece sempre bafejado de uma brisa nordestina; esse: a) poeta; b) compositor popular; c) produtor de rádio; d) cronista lírico; e) locutor esportivo; f) escritor de shows; g) grande papo; h) diretor artístico de boate; i) fazedor de jingles; j) homem triste, k) ótimo volante; l) esplêndido amigo; m) desvairado amante; n) M.C.; o) humorista nato; p) "santo homem", como dele diz com terno sotaque o poeta português Carlos Maria de Araújo; q) trabalhador infatigável; r) letrista insigne; s) cantor agradável; t) pródigo absoluto; u) incurável gourmand; v) olho de lince; x) punho de clava; y) superego; z) adorador da vida; – esse menino grande mesmo, que não sei como ainda não descobriu no poema "Les Chercheuses de Poux", de Rimbaud, a sua doce morte diária, porque é homem de rede, mucama, água de coco, cosca no pé, cafuné na cabeça, brisa marinha no cabelo do peito; esse quebrador de tenreiros, físico para bergères antigas tipo me-senta, bem estufadas de modo a ele caber todo e ainda poder pôr os pisadores longe no tamborete; esse imenso tímido de radar sempre ligado, capaz no entanto das maiores se-mostrações esse gigante fraterno que já pôs o braço diante da minha queda e que tem casa, comida e roupa lavada no meu coração; esse grande pecador que se chama Antônio Maria Araújo de Moraes, tem – eu vos asseguro – o estofo de um grande santo. Às vezes posso vê-lo num burel de monge, no pátio colonial de um convento plantado de roseiras, dando de comer na mão a pombas brancas; ou a transitar silenciosamente num claustro seu vasto corpo gasto e purificado de muito amar.

Assim Vinícius me apresentou Antônio Maria e logo me apaixonei pelo texto dele. Maria foi jornalista, escritor, autor de teatro e boêmio etc. Entre suas obras, as mais famosas estão: O diário de Antônio Maria (livro) e Brasileiro: profissão esperança (musical).

"Às vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram companhia, desde segunda-feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã, aconteça alguma coisa de melhor." (O diário de Antônio Maria)

Fiquem com mais um pouco da Antônio Maria:

Mulher dos outros

Dia claro. Primeiras horas do dia claro. Havíamos bebido e procurávamos um café aberto, para uma média, com pão-canoa. Quase todos estavam fechados ou não tinham ainda leite ou pão. Fomos parar em Ipanema, num cafezinho, cujo dono era um português e nos conhecia de nome de notícia. Propôs-nos, em vez de café, um vinho maduro, que recebera de sua terra, "uma terrinha (como disse) ao pé de Braga". Não se recusa um vinho maduro, sejam quais forem as circunstâncias. Aceitamo-lo. Nossa grata homenagem a José Manuel Pereira, que nos deu seu vinho.
Nesse café, além de nós, havia um casal, aos beijos. As garrafas vazias (de cerveja) eram quatro sobre a mesa e seis sob. Beijavam-se, bebiam sua cervejinha e voltavam a beijar-se. Não olhavam para nós e pouco estavam ligando para o resto do mundo. Em dado momento, entraram dois rapazes e pediram aguardente no balcão. Ambos disseram palavrões, em voz alta. O casal dos beijos e da cerveja parou com as duas coisas. Outros palavrões e o cabeça do casal protestou:
— Pára com isso, que tem senhora aqui!
Um dos rapazes dos palavrões:
— Não chateia!
— Não chateia o quê? Pára com isso agora!
Um dos rapazes do palavrão:
— E essa mulher é tua mulher?
— Não é, mas é mulher de um amigo meu!
A briga não foi adiante. Todos rimos. O dono da casa, os rapazes dos palavrões, o casal. Está provado que: quem sai aos beijos com mulher de amigo não tem direito a reclamar coisa alguma.