Bombonière Delikatessen

Guloseimas e pensamentos...

4.1.05

Retorno...

Após um período de descanso quase idílico, parece que a inspiração resolve dar as caras...

Pensamentos Soltos (L'Enfant)

“Nem mesmo a chuva tem mãos tão pequenas...”

Zeca Baleiro cantava no cd-player... seu pensamento voava para uma época diferente do agora. Sobre o espelho d’água do lago, a lua se refletia, com ar onipresente na noite fresca daquela primavera. Sentada à varanda da casa, sentindo a brisa e olhando o espetáculo no belo horizonte, veio-lhe de repente uma lembrança pendurada no canto de um sorriso leve: o seu primeiro momento de embriaguez. Houve outros depois, mas aquele seria inesquecível, pela forma em que aconteceu. Fora desejado, quase planejado meticulosamente, desde as indiretas até a escolha do vinho.
Naquela noite, alguns planos foram alterados. Não iriam mais sair para se divertir. Percebera que ele não era de grandes festas, aquela comemoração seria somente a dois. Ela se sentia alegre, mas pensativa. Muitas coisas passavam em sua cabeça. Relembrava tudo o que vivera naquele ano, desde os bons momentos da mudança de ares, até as negativas de apoio dos novos amigos. Enfim fora um ano terrível, uma mistura dolorida de alegrias e decepções, sucesso e derrotas, encontros e desencontros...
Mas naquela noite, não estava a fim de chorar de tristeza e nem de reclamar. Queria apenas a alegria ao seu lado. E assim começaram a tomar o vinho. Sem hora certa, sem método certo, sem rapapés, apenas o brinde tradicional, a cor rubra do líquido nas taças, o sorriso fácil dos dois e era desta forma que queria se embriagar. Seria sua primeira vez, apenas isso, a sua primeira vez.
Algumas pessoas dizem que, quando se embriagam não recordam do que fizeram ou pelo que passaram. Não era assim para ela. Sorvido avidamente no início, o vinho esquentava sua face, fazendo-a mais corada. O seu riso sempre fácil, desta vez tornara-se constante, não se despregando do seu rosto. O tempo avançava lentamente, parecia que nunca chegaria a hora do novo brinde, mas enquanto isso, pedia que ele enchesse sua taça mais vezes.
Na medida em que a garrafa esvaziava, seu calor e seu desejo aumentavam. A música alegre da noite invadia seus ouvidos, seu corpo tremia e dançava ansioso. Aos poucos, os dois foram se soltando. Seus toques ficaram mais ousados, seus lábios se tocaram, seus desejos afloraram de vez. Ela estava embriagada, mas ainda era capaz de lembrar da mão quente que lhe arrancava suspiros e arrepios. Do peso do corpo dele sobre o seu. Das bobagens faladas e dos gemidos gritados. Do gozo estendido em inúmeros ais e do seu sorriso malicioso pedindo a ele, que fizesse mais.
“Minha cabeça gira mais que um cata-vento...” dizia-lhe. Imagem infantil esta, mas ela estava embriagada, não raciocinava, apenas sentia. Era sua primeira embriaguez. Desejada, arquitetada, ao lado de quem queria, como queria. Estava pouco ligando para o que acontecia lá fora. Tantas mazelas e alegrias aconteciam no mundo naquele momento, mas ela só queria estar insana e bêbada ao lado dele. Gozando e sorrindo.
De certo modo, isso delimitava a mudança que estava lhe acontecendo. Mudança de vida, de estilo, de pensamento e de atitude. Sabia que o ano fora complicado e que os acontecimentos vivenciados a mudariam para sempre. Nunca mais aquele olhar ingênuo sobre as coisas e seres seria retomado. Sempre haveria uma dúvida por trás de todo sim dito e ouvido. Sempre haveria a desconfiança... Mas era a vida enfim, saíra de sua casca e estava no mundo para viver e aprender. Como aprendera com as pedras do caminho neste ano. Saberia contornar as que encontrasse pela frente, a partir de então.
Mas naquele momento, só queria curtir sua embriaguez, seu desejo solto, seu gozo fácil e o carinho quente dele. Na noite estrelada, fogos ecoavam e a lua já era onipresente naquele céu. A vida continua...