Bombonière Delikatessen

Guloseimas e pensamentos...

28.8.07

Aqui se faz...

...aqui se paga?

Texto do meu amigo André Gomes, publicado no Portal da Propaganda
e que tenho certeza deliciará os que são publicitários ou tem contato com estes seres no seu dia-a-dia.

Aqui se faz, aqui se atende.

– Não gostei.
– Por quê?
– Porque não gostei, ué.
– Mas tem algum motivo?
– Tem. Sou o dono da agência. Só gosto do que eu quiser. Rasgue tudo e faça de novo! - gritou o velho tirano a um de seus criativos.

Era assim que ele tratava seus empregados. Objetivamente. E estava tão acostumado a esbravejar e assistir às pessoas sumindo intimidadas de sua frente que quase não acreditou no que viu. Pela primeira vez, alguém respondera a seu grito na mesma altura.

– Faça você, velho ranheta!
– O quê!?
– É isso mesmo, frustrado de quatro patas e um rabo escondido sob uma calça de grife cara! Vá dar patada na mãe!

A surpresa doeu forte. No peito. A vista escureceu. E o velho enfartou.

Quando abriu os olhos, estava em frente a uma grande escada rolante subindo, tão longa que era impossível enxergar o último degrau. A estrutura de metal e borracha sumia entre as nuvens. Ao seu redor, nada.

Mal deu o primeiro passo para cima, as nuvens ganharam a forma de grandes telas de projeção, freqüentadas por seqüências intermináveis de imagens difusas. Uma mãe estapeando uma criança, um adolescente perseguido por seus colegas, um jovem vendendo verdura.

– Mas... esse sou eu!

Enquanto subia, a vida do velho passava nas nuvens, projetada em cenas breves.

Viu ali sua infância triste, suas tentativas de trabalhar na juventude em uma grande agência da capital. Relembrou emocionado as tantas vezes em que bateu na porta dos diretores de criação e nada. Chorou mais uma vez em sua partida doída, magoada, para uma cidade menor, com um mercado menos concorrido.

Ele já nem lembrava de quando chegou a Ribeirão do Chavão, uma cidade perdida entre a Terra dos Triquestroques e a Serra do Trocadilho. Ali, as donas-de-casa iam ao supermercado para pagar um e levar dois. E nas promoções de vendas das lojas de eletrodomésticos, sempre dava a louca nos gerentes. Os açougues faziam aniversário e eram os fregueses quem ganhavam presentes. E nas compras a prazo, as entradas ficavam sempre para o ano seguinte.

Os empreendimentos imobiliários de Ribeirão do Chavão traziam sempre um novo conceito em moradia. Os shoppings eram sempre um novo jeito de fazer compras. No inverno, as lojas de roupas tinham sempre uma promoção para esquentar o frio. No verão, uma oferta para refrescar o bolso.

Quanto mais a escada subia, mais ele ia longe no passado sofrido. Relembrou os anos em que vendeu verdura até juntar o dinheiro para abrir uma agência de propaganda. E riu nas cenas em que ganhou a conta do circo e da quitanda. Orgulhou-se ao relembrar que multiplicou o faturamento dos dois. Depois vieram a padaria, o mercado, o açougue, o zoológico e todos os grandes anunciantes da cidade.

Em pouco tempo, fez carreira, fortuna e quinze filhos. Cada um com uma mulher diferente.

Depois voltou para a capital, abriu outra agência e a escada chegou ao fim. Uma voz retumbante quase estourou-lhe os tímpanos.

– Então, esta foi a sua vida? – perguntou a Voz.
– Foi, sim...
– Não gostei!
– Ai...
– Rasgue tudo e faça de novo!

E a Providência Divina mandou o velho de volta para a Terra. Mas não como dono tirano de agência. Ele teria uma segunda chance. Para pagar os pecados, voltou como atendimento.