Bombonière Delikatessen

Guloseimas e pensamentos...

6.11.06

No divã...

- ...Imagine agora uma onça. O que ela fez com você?
- A onça comeu minha alma.
- Foi?
- Foi.
- Como é que você sabe que foi uma onça que comeu?
- Por causa da mordida.
- Que outra parte de seu corpo ela abocanhou?
- Só a alma.
- Pensei que não se deixava marca na alma...
- Mas se deixa. É a parte que fica mais as marcas das coisas.
- Mordeu muito?
- Mordeu.
- Como você sentiu doer?
- Senti um aperto grande me esmagando por inteiro, depois veio o desfalecimento, porque como eu disse, a mordida foi grande, doeu e doeu pra danado, não morri porque alma não tem sangue senão eu teria morrido sangrando. Na verdade dói até agora.
- Você reagiu?
- Não.
- Por quê?
- Quis ver até aonde ela ia morder.
- Mas você sabia que ia doer?
- Sabia.
- Quando foi que ela te mordeu?
- Nem sei mais, um dia desses...
- Você estava sozinho na hora?
- Não lembro, mas ninguém me acudiu.
- ...
- Por que você calou?
- Estou com pena de você.
- Eu não preciso de pena, preciso de ajuda. Você é igual a todo mundo.
- Não sou!
- É.
- Fale-me mais dessa onça...
- Ela é uma onça comum, pintada, grande, fedorenta e tudo o mais.
- Anda?
- Anda não, corre.
- Porque ela comeu justamente a sua alma? Podia ter comido sua perna, seu braço...
- Porque ela quis comer a parte mais importante de mim, a parte que não tem prótese, nem remédio, a parte que não se cura.
- Meu diagnóstico é que você está com depressão.
- Mas eu não me sinto deprimido. Estou bem trabalho e tudo...
- Pois é... Mas uma onça assim comendo a alma das pessoas só ocorre em casos de profunda depressão.
- O que eu faço?
- Mata ela de tiro, tá aqui a espingarda.
E estendeu os braços oferecendo o peito para João abraçar.


texto de: Líria Nogueira Alvino